Leio notícias sobre Ricardo Salgado ou o homem que matou à queima-roupa três pessoas na barbearia. Devem ser encarcerados ou não deve haver julgamento? A questão fundamental é se as ciências observacionais ou da mente são suficientes para legitimar ou não a inimputabilidade de um ou mais atos criminosos.
Vejamos alguns exemplos. O caso de Ricardo Salgado: é possível afirmar com toda a certeza se é capaz de compreender, sentir algum tipo de remorso ou saber o que fez? Não é o primeiro caso sobre um multimilionário e não será o último. As neurociências têm modelos e questionários e testes e inúmeros instrumentos que respondem, com um grau maior ou menos de confiança nelas próprias. Mas o problema é que daqui a meia-dúzia de anos haverá metodologias completamente diferentes e testes mais evoluídos, que dirão que os anteriores eram falíveis ou pelo menos poucos confiáveis. Daqui a dez anos, os especialistas nem falarão nos modelos atuais por vergonha. E daqui a trinta anos sairão estudos que afirmarão o contrário do que se diz agora e rematarão com o habitual: “na altura ainda se vivia na idades das trevas das ciências da mente.”
O mesmo para o brutal assassinato a sangue-frio de há algumas semanas. Os jornalistas sentenciaram logo que não foi um crime planeado e que o jovem é basicamente um psicopata com falta de medicação. Que serviço inestimável para os advogados de defesa, que agora só terão de arranjar clínicos reputados que corroborem esta tese. Acrescento agora que para vinte especialistas da matéria, teremos vinte conclusões diferentes que só com muita ginástica mental se poderiam considerar semelhantes. Porque numa ciência que não é exata, é impossível fazer uma afirmação infalível. Ainda mais em ciências tão recentes e ainda na idade infantil, como são a psiquiatra e a psicologia e todas as neurociências. Querem um exemplo que desconstrói tudo o que foi dito pelos ditos “especialistas” neste e noutros casos? Sabem que o único Nobel português na ciência foi Egas Moniz, mas sabem porquê? Por causa da pancada de um martelo e um cutelo no cérebro: rudemente, é isso o que significa a lobotomia. As ‘vítimas’ ficavam tão calmas que realmente era tecnologia de ponta no século passado e poupava muito trabalho nos sanatórios da altura. Só mais tarde é que outros cientistas vieram dizer que aquele método era uma barbaridade. Quantos “martelos e cutelos” se pode falar hoje em dia? Talvez em relação a medicamentos que os médicos passam e sobre efeitos que eles próprios desconhecem – e sobre doenças sobre as quais desconhecem ainda mais?
E o contrário: quando um trabalhador se suicida, devem os psicólogos do Departamento de Wellness das empresas serem criminalmente acusados de homicídio por negligência ou apenas profissionalmente repreendidos? É evidentemente racional que exista esta equidistância. A conclusão final é o que cada um quiser. Deixo à consideração de cada um dos leitores, que pensem e reflitam sobre isto tudo.