Muito se clamou por justiça nos últimos tempos, mas que tipo de justiça é que andaram realmente a pedir? Se é verdade que uma sociedade sem justiça nunca poderá ter paz, importa saber onde é que realmente falha a justiça. E sobre isso a comunicação social praticamente não falou. Porque o grande problema de Portugal é uma justiça que só serve os poderosos e que goza com a nossa cara. Senão vejamos: o presidente da Câmara de Gaia, um dos maiores municípios do país, foi condenado em 2023 pelo crime de peculato por um tribunal de primeira instância e retirou-lhe o mandato. Há um par de semanas, o tribunal da relação confirmou a perda de mandato deste nosso concidadão. Mas adivinhem: ele nunca deixou a cadeira da presidência, continua e vai continuar na presidência da Câmara de Gaia. De recurso em recurso, até terminar o seu mandato daqui a menos de um ano. Claro que é socialista. Claro “que se lixe a justiça” e claro que “quem se mete com o PS leva”. Mas por alguma razão tivemos um presidente da assembleia da república, por acaso socialista, que disse isso abertamente. Por alguma razão temos os crimes de José Sócrates a prescreverem todos. Houve algum tumulto ou incendiaram-se veículos por causa disto? Alguém se manifestou ou os canais de televisão fizeram centenas de diretos? Isto tudo é culpa da “morosidade da justiça” e dos coitados dos funcionários judiciais que têm de trabalhar tanto e com tão poucos recursos, certo? Errado. Isto é culpa do sistema de interesses que se esconde por detrás da incompetência endémica de quem devia trabalhar pela justiça. Isto é culpa de um país com mentalidade subdesenvolvida onde a corrupção está normalizada e faz parte do quotidiano das pessoas. Sobretudo, isto é culpa dos fazedores de leis que nomeamos e que estão cercados de uma teia de favores sobre a qual se sustenta a nossa democracia. Porque se um de nós tiver um problema judicial, alguém duvida que o processo corre depressa e sem problemas? E se for uma multa municipal ou contra-ordenação, é mais lesta do que um foguete. E o problema é estas demoras serem selectivas e as prescrições um hábito dos poderosos mais poderosos. E as fugas de informação e os estranhos sorteios de juízes e o constante achincalhamento das instituições por quem considera que Portugal é uma brincadeira. Mas o povo acha tudo normal. A corrupção é apenas a bandeira de um partido populista de extrema-direita, porque os outros acham tudo normal. E a verdade é que todos fazem parte deste circo e nós, o povo português, somos quem paga o bilhete, quem assiste ao espectáculo, quem sustenta a tenda e ainda temos tempo para ser os palhaços.
Resto do artigo no Semanário O Diabo de hoje