Leio algumas ‘críticas’ aos livros de Charles Bukowski e fico triste. Que desperdício. Numa altura em que o politicamente correto é uma nova religião, é evidente que a sua escrita nunca seria bem acolhida. Mas vejo que atacam a técnica e o conteúdo, como se soubessem alguma coisa para além da superficialidade. Talvez não saibam a amizade e admiração que tinha de Sean Penn, Madonna, Bono, Tom Waits, Harry Dean Stanton. Talvez não lhes importe que a crueza da sua escrita advém da sua vida dura e cruel. E da sua extrema fragilidade, mascarada da fortaleza do homem que a sociedade americana daquela época queria que ele fosse. O seu grande idolo era Dostoievski e isso explica muito da sua obra. Sim, havia muito folclore à volta da vida de Hank, o velho tarado. É óbvio que fez parte da imagem publicitária que os editores quiseram passar e ele próprio cativou. Mas há muito mais profundidade em Charles Bukowski. Há poesia num velho que ficou velho muito antes do seu tempo. Há poesia no seu sofrimento mascarado de humor. Há poesia onde certas palavras não chegam.
Curiosamente, os seus poemas mais medíocres e vulgares são os que muitos admiram e emolduram nas redes sociais. Carregados de emotividade, mas sem a substância das suas primeiras obras. Porque um dos grandes motivos da decadência cultural contemporânea é a confusão entre sentimentalismo e sensibilidade. Bukowski pode não ter sido o melhor romancista americano, mas era um poeta maravilhoso. Quem vê crueza ou machismo ou alcoolismo, como temas fundamentais, é incrivelmente aborrecido. Um dia alguém disse que “a miséria é desperdiçada nos miseráveis” e é isso que a maioria dos leitores de hoje são em termos culturais Bukowski não desperdiçou a sua miséria, verdadeira, pelo contrário: fez dela arte, que não precisa ter metáforas e ser pretensiosa para ser bela.
“a carne cobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram vasos contra as paredes
e os homem bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca
muito mais do que mera
carne“
Charles Bukowski